Friday, February 24, 2006

Janaina Barros

O objeto de interesse é o rosto enquanto fragmentação do corpo, inserido no seu ambiente doméstico. É um corpo com formas femininas, um corpo ancestral, um corpo que vive o agora e que reflete o passado: a mulher negra e sua relação ativa com o outro, com a história, com o tempo, com a cultura, com as relações sociais, com os signos e o coletivo.

Pela origem, representa-se tanto na pintura quanto no desenho, o imaginário de figuras concretas, o corpo como fragmentação e desmembramento na presença de uma série de rostos. Os retratos carregam a memória pessoal e histórica, de forma a buscar um entendimento e sentido para valores pautados na condição feminina e herança cultural africana.

Esse entendimento constitui conhecimento pela pesquisa de imagens e pelo processo de materialização delas, tanto no tecido quanto no papel. Sendo a materialidade, para Pareyson, “tudo aquilo que existe antes do artista, quer se refira, de modo geral, a espiritualidade onde ele se move, quer diga respeito, mais de perto, a realidade da arte que ele pratica, sentimentos, convicções, crenças, aspirações, pensamentos, costumes, idéias, ideal, além disso, preceitos, regras, estilos, formas, tradições artísticas e problemas técnicos. Por outro lado, entendem-se os materiais físicos com os quais se forma a obra de arte”. A matéria traz resquícios, não há percepção que não esteja impregnada de lembranças, signos que nos trazem a memória antigas imagens.

A produção plástica tem como o princípio constitutivo as mulheres da minha infância que viveram em um determinado período (décadas de 80 e 90) e que ainda suas existências persistem. São figuras anônimas, habitantes de uma cidade chamada Muriaé, localizada no interior de Minas Gerais que se tornaram plano de referência para criar outras figuras que não necessariamente estejam localizadas nesse espaço.

Esta série de rostos negros silenciosos contém uma expressividade característica que aludem a fotografia 3x4. As imagens aparecem aparentemente datadas, contudo, ultrapassam a relação temporal e espacial, estão presentes hoje, não só em Muriaé, como também nos centros urbanos. Encontram-se nos mais diferentes cantos da cidade, que abriga uma infinidade de seres com histórias e procedências diversas fruto de deslocamentos migratórios.¹ São mulheres negras pertencentes a um nível sócio-econômico desfavorecido, com suas vestes de combinações diferenciadas, baseadas num padrão próprio de gosto. Relacionam-se com o espaço circundante que é o seu espaço existencial, relacional e de identidade. Caracterizam-se pelos lenços amarrados na cabeça, deixando transparecer pedaços de cabelos desalinhados, ou pelos pequenos coques, tranças grossas ou finas, longas ou curtas, soltos, parcos , vastos, mas antes de tudo crespos. As roupas constituem um vocabulário de intenções inconscientes que revelam a idade, a classe social, as idéias políticas, a localização geográfica, a personalidade, os estados de ânimos, os gostos e desejos.

O corpo foi analisado através de suas partes, rosto como fragmento do corpo, onde cada gesto é o encontro da compreensão do universo simbólico do mundo percebido. O retrato funciona como descrição de um corpo cultural em que ser e espaço se integram. A memória na sua materialidade aparece como resquícios de tempo. O espaço deixa de ser apenas o ambiente concreto no qual os objetos se dispõem. Envolve a relação de altura, largura e profundidade onde o ser se desloca. Esse movimento é a alteração de uma posição que inclui o corpo físico e a temporalidade, um fato consumado ou a ser consumado.

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